No mundo perfeito, Palocci já estaria longe da política há algum tempo.
Palocci foi quem fez chegar a nós, na redação da Época, informações que supostamente desqualificariam um caseiro de Brasília que dissera que ele frequentava uma mansão pouco recomendável quando ele era ministro da Fazenda. Na época, eu era diretor editorial da revistas da Globo, a principal das quais era e é a Época.
Foi um dos episódios mais desagradáveis de minha carreira.
Numa inversão patética dos princípios sob os quais nasceu o seu PT, Palocci ali era o poderoso querendo esmagar de qualquer forma o humilde.
Palocci, acusado pelo caseiro de comportamento indevido para um ministro, manobrou nos bastidores com dados sobre a conta corrente do caseiro. A privacidade financeira deste foi invadida e descobriram em sua conta depósitos que mostrariam que ele recebera dinheiro para denunciar Palocci. Palocci, portanto, seria inocente.
Para encurtar, não havia fundamento nas contra-acusações. O caseiro estava limpo. Palocci, não. Ele mentiu insistentemente ao dizer que não tinha sido ele que tramara contra o caseiro. Dê um "Google" e pesquise. Você encontrará uma pilha em que se misturam mentiras e cinismo.
Foi Palocci, sim, quem passou o "Dossiê Caseiro".
Como é comum nestas situações, a informação foi passada não diretamente à redação – mas à cúpula das Organizações Globo. Muitos políticos preferem conversar diretamente com os donos, e não com os jornalistas. Não é uma peculiaridade brasileira. Churchill só falava com os proprietários quando era primeiro-ministro do Reino Unido. (Isso não impede Clóvis Rossi de ficar continuamente embasbacado com o grande furo da doença de Tancredo Neves dado pelo velho Frias.)
Foi um momento particularmente penoso em minha carreira de editor, por motivos óbvios. Ninguém vai fazer jornalismo para depois ajudar um ministro a desmoralizar um caseiro de forma fraudulenta. Nossos sonhos e ilusões são bem mais elevados.
O erro é apenas ligeiramente mitigado pelas circunstâncias. Quando você trabalha numa revista semanal de informações, a pressão para que você consiga furos é imensa. O risco de um erro é grande – você quer muito dar o furo e em geral o tempo para checagens mais elaboradas é escasso. Você pode cometer uma barbaridade. Foi o caso nosso na Época, no chamado "Escândalo do Caseiro".
Imaginávamos, ao publicar a história, que de fato tinham sido feitos depósitos na conta do caseiro. Logo ficou claro que não. Também ficou clara em pouco tempo a desfaçatez de Palocci ao dizer que não fizera o que fez.
É uma pena que a lógica do vale-tudo esteja tão incrustada no PT. Se não estivesse, a agressão de Palocci à ética — e à honestidade — no episódio do caseiro teria liquidado sua carreira no governo naquele momento. A oposição neste quesito não é muito melhor, como você pode ver nas espertezas de Serra na campanha presidencial.
Vi, à distância, Palocci voltar ao poder, sob Dilma.
Não foi um grande movimento pela moralidade da pátria.