O   ministro Joaquim Barbosa, (foto),  que discursou nesta sexta, em São José da   Costa Rica, num evento sobre liberdade de imprensa, disse algumas coisas   que considero obviamente erradas (ver post), mas também disse   coisas certas, especialmente na entrevista que concedeu, fora de sua   fala oficial. Lembrou, por exemplo, que os chamados "embargos de   declaração", apresentados pelas respectivas defesas dos mensaleiros, não   têm o condão de mudar sentenças. Eles servem para esclarecer dúvidas,   apontar eventuais omissões, indicar possíveis contradições no acórdão,   mas não anulam julgamentos, como querem os condenados. Mas isso é   tatibitate do direito; é o óbvio. A questão mais importante da fala de   Barbosa se perdeu. E o principal diz respeito aos "embargos   infringentes". O ministro lembrou que a Lei 8.038, que regula os   processos penais nos tribunais superiores, não trata do assunto. E essa   lei, meus caros, é de 1990. Está em vigor há 23 anos! 
Vamos com   calma! O que são mesmos os "embargos infringentes"? Designam aquele   expediente previsto no Artigo 333 do Regimento Interno do STF, segundo o   qual, no caso de haver quatro votos divergentes, o condenado tem   direito a um reexame de seu caso pelo plenário. Transcrevo o caput do   Artigo e seu Parágrafo Único (em azul):
Art. 333. Cabem embargos infringentes à decisão não unânime do Plenário ou da Turma:   (…)   Parágrafo único. O cabimento dos   embargos, em decisão do Plenário, depende da existência, no mínimo, de   quatro votos divergentes, salvo nos casos de julgamento criminal em   sessão secreta.
Já faz tempo  Precisamente às 6h39 do dia 13 de agosto de 2012, publiquei aqui um artigo afirmando   justamente que a Lei 8.038 tinha acabado com os embargos infringentes.   Por quê? Aprovada em 1990, ela não previa tal expediente. E É ESSA LEI   QUE REGULA OS PROCESSOS PENAIS NOS TRIBUNAIS SUPERIORES. Tanto é assim   que, no STJ, por exemplo, não existe tal recurso.
Raramente   apanhei tanto dos "especialistas" como nesse dia. "Estudou direito por   acaso?" "Fez direito em qual faculdade?" "Vai agora querer dar aula para   advogados?" "Você, como advogado, é um bom professor de Deus" (essa foi   a de que mais gostei). E essas foram as pancadas suaves. Sim, Tio Rei   assombrava o mundo (!?) afirmando a inexistência de embargos   infringentes porque teve a ousadia de ler a Lei 8.038.   Os jornalistas fiquem certos: ler leis e teoria política pode garantir   mais furos jornalísticos do que ficar alugando a orelha para políticos.
Também   escrevi aqui, bem mais recentemente, que não bastava ir apresentando   embargos infringentes e pronto! O tribunal terá de decidir se eles são   cabíveis ou não. E EU ENTENDO QUE NÃO SÃO PORQUE NÃO SE PODE PROCEDER   SEGUNDO UM EXPEDIENTE QUE NÃO ESTÁ NA LEI. E a lei pode mais do que   Regimento Interno do STF. Até a Constituição de 1967, o RI tinha força   de lei. Na de 1988, não mais. Esses são os fatos. E o que disse ontem   Barbosa em entrevista ao Jornal da Globo? Transcrevo (em azul):
"O   tribunal ainda vai ter de decidir se eles [os embargos infringentes]   existem ou não. Porque há uma lei votada pelo Congresso em 1990 na qual   não se tem previsão da existência desses embargos. E é essa lei que rege   há mais de 20 anos o processo penal nos tribunais superiores no   Brasil".
Era apenas um fato  Assim, a questão, então inédita que   lancei, era tecnicamente procedente. Mais do que procedente: ela estava   certa. Mais do que certa (porque não se trata de uma questão   originalmente moral), era legal. Para o STF, o assunto é mais importante   do que parece porque o tribunal estará, acreditem, adotando   procedimento de exceção caso decida pela existência dos embargos   infringentes, não o contrário. Por que isso?
Naquele   mesmo dia 13 de agosto, um pouco mais tarde, no site Consultor Jurídico,   Lênio Luiz Streck, procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, escreveu   um longo artigo — bem mais técnico do que o meu, claro!, porque ele é   especialista na área — sustentando justamente que não existem mais   embargos infringentes. O texto está aqui. E ele traz um novo e poderoso argumento. Qual?
O próprio   STF já considerou revogado ou sem efeito outro artigo de seu regimento   que tratava justamente de embargos infringentes no caso de Ação Direta   de Inconstitucionalidade porque a Lei 9.868 veio a disciplinar essa matéria e não abrigou tal expediente. Escreve Lênio (em azul):
Assim,   é possível dizer que, nesse contexto, se o STF considerou não   recepcionado (ou revogado) o RI (no caso, o art. 331) pelo advento de   Lei que não previu esse recurso (a Lei 9.868), parece absolutamente   razoável e adequado, hermeneuticamente, concluir que o advento da Lei   8.038, na especificidade, revogou o art. 333 do RISTF, que trata de   embargos infringentes em ação penal originária (na verdade, o art. 333   não trata de ação penal originária; trata a matéria de embargos   infringentes de forma genérica, mais uma razão, portanto, para a   primazia da Lei 8.038, que é lei específica).
Sim,   leitores, eu antevejo debate acalorado onde não deveria haver debate   nenhum. Quero saber como é que alguns ministros conseguirão, sem que   atropelem a ordem legal, justificar a existência ainda de embargos   infringentes se:
a: eles não estão previstos na lei que rege os processos penais nos tribunais superiores;
b: uma lei pode mais do que um regimento;
c: o Regimento Interno do STF, desde 1988, não tem força de lei;
d: o próprio tribunal, em ocorrência idêntica (mas que dizia respeito a Adin, não a processo criminal), declarou o óbvio: a lei tornou sem efeito um artigo do regimento.
b: uma lei pode mais do que um regimento;
c: o Regimento Interno do STF, desde 1988, não tem força de lei;
d: o próprio tribunal, em ocorrência idêntica (mas que dizia respeito a Adin, não a processo criminal), declarou o óbvio: a lei tornou sem efeito um artigo do regimento.
Já escrevi uma série de posts sobre   o assunto. Agora, o presidente do Supremo, Joaquim Barbosa, finalmente   toca na questão pertinente. A simples aceitação de que os embargos ainda   existem já significará que o Supremo estará atropelando a lei — além de   negar-se a si mesmo.
Encerro  Os advogados sabem disso? Ora… Não há   idiotas ali. Muito pelo contrário! É claro que eles sabem que os   embargos infringentes foram revogados pela lei. Fizeram a bagunça que   fizeram nos embargos de declaração, pedindo a anulação do julgamento,   justamente para intimidar o tribunal. Como sabem que levarão um "não" na   testa, apostam que, no caso dos infringentes, o Supremo cederá — para   não parecer radical. Mal posso esperar pela argumentação de Lewandowski.   Imagino qualquer coisa assim: "A Lei 8.038 não prevê, mas também não   proíbe… E, vejam bem, são vidas humanas…". É isto: o berreiro criado no   caso dos embargos de declaração é de tal sorte absurdo que o objetivo é   mesmo arrancar do tribunal os embargos infringentes.
Por quê?   Porque isso empurra as coisas sabe-se lá para quando. Caso se decida   pela sua existência, aí será preciso ver se o tribunal os acata. Caso   acate, terá de ser nomeado um novo relator, o novo procurador-geral da   República terá de se inteirar do processo… Vai bater lá em 2014. E   alguém lembrará: "Mas em ano de eleição?…". O tribunal está diante de   dois caminhos: um conduz à Lei 8.038, outro, à desmoralização.

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