Em meio às comemorações de seus dez anos no poder, o PT vai preparar um estudo sobre a estrutura de classe no país, algo que o partido não faz desde o fim dos anos 1980. O objetivo é entender o perfil de novos segmentos sociais, como a chamada "nova classe média", e qual a relação da legenda com o empresariado.
Depois de uma década à frente do governo federal, o Partido dos Trabalhadores se aproximou de empresários de grandes companhias - envolvidos em projetos liderados pelo Estado ou beneficiados pela ampliação do mercado interno - mas ainda vê resistências no setor. A intenção é identificar "quem está do nosso lado, quem não está", como diz o presidente da sigla, Rui Falcão, e rever as estratégias de aliança e de discurso.
"É preciso atrair o empresariado para o modelo de desenvolvimento que nós estamos conduzindo, mas você precisa quebrar essa mudança que a oposição extrapartidária fez agora", diz Falcão, referindo-se ao que chama de aliança entre empresários, altos funcionários de Estado e grupos de comunicação.
O presidente do PT refere-se a uma alteração que teria ocorrido no discurso da oposição. Falcão afirma que, depois de o julgamento do mensalão pelo Supremo Tribunal Federal (STF) não ter produzido todos os efeitos esperados pelos adversários, a oposição passou a desqualificar a presidente Dilma Rousseff como má gestora. Primeiro, afirma o dirigente, diziam que Dilma era técnica, mas não política, e "agora precisam dizer que não é uma boa técnica". A inflexão teria pavimentado o caminho para uma série de críticas em relação ao aumento da inflação, à falta de investimento e à capacidade de o governo resolver o gargalo da infraestrutura.
A preservação da imagem de Dilma como boa gestora e o estreitamento das relações com o empresariado passaram, por sua vez, a fazer parte do contra-ataque petista. Em setembro, Dilma anunciou a redução das tarifas de energia, mas seu pronunciamento em rádio e TV se baseou muito menos nos benefícios para a população do que nas consequências para o setor produtivo. Toda a agenda do empresariado e, em especial, dos pontos defendidos pelo Movimento Brasil Competitivo (MBC), estava ali representada, como a busca por competitividade, em letras garrafais, a logística e a redução de custos. O fundador do MBC é o empresário do setor siderúrgico Jorge Gerdau, que se transformou em conselheiro de Dilma, incentivou a criação e integra a Câmara de Políticas de Gestão, Desempenho e Competitividade, ligada à Presidência da República.
Além disso, nos dois últimos meses, Dilma intensificou os contatos com o empresariado e vem realizando reuniões individuais no Planalto. Esteve com Gerdau; Eike Batista, do Grupo EBX; Luiz Trabuco, do Bradesco; Marcelo Odebrecht, do Grupo Odebrecht; Emilio Botin, do Santander; Bruno Lafont, do Grupo Lafarge; Rubens Ometto, da Cosan, entre outros.
Rui Falcão lembra que desde 1987 o PT concluiu que para desenvolver a economia brasileira, em primeiro lugar, "não pode ter partido único", e, em segundo, é preciso ter associação no meio empresarial. "Você faz um tipo de aliança. Umas são mais permanentes, outras são episódicas. O Gerdau atua numa área que se não tiver apoio vai sucumbir", defende Falcão.
O relacionamento do governo com o comandante do Grupo Gerdau, que tem atuação em 14 países, é visto por Márcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo, do PT, como uma necessidade. "Diante de uma economia mundial concentrada em 500 corporações transnacionais, que mandam em qualquer setor de atividade e que interviriam na política, financiando partidos", diz Pochmann, o Brasil também precisa ter capitalistas à altura."Há uma crítica constante no Brasil para a tal das escolhas dos campeões. Todo mundo elogia a Coreia. O que a Coreia fez? Também elegeu campeões. Talvez com metas, com compromissos um pouco diferentes dos nossos. Mas o caminho é esse", defende.
Rui Falcão, em princípio, diz não concordar com a afirmação, mas é a favor da associação com empresários que ajudem a criar uma nação soberana, forte, com um Estado indutor do desenvolvimento, e que tenham planejamento de longo prazo."Eu quero estar junto com estes empresários. Ah, é o empreiteiro, é o Eike, é não sei quem, [diz-se] pô, o PT junto com eles... [Mas] isso ajuda a levar o projeto nacional numa direção que, no meu entender, favorece o projeto do PT. A aliança não é só com partidos", afirma Falcão.E do mesmo modo que a relação com os partidos aliados às vezes passa por turbulências, os atritos também se dão com o empresariado. Mas a compreensão é menor. A percepção é de ingratidão quando setores do capital beneficiados pelas políticas do PT se juntam ao que chamam de oposição extrapartidária.
O secretário de Organização do PT, Paulo Frateschi, verbaliza este sentimento. "Mesmo com o avanço do capitalismo - fizemos um mercado de massa, a democratização do crédito - uma pergunta que fica é: por que aumenta tanto a oposição, por que não nos tragam de jeito nenhum, por que não nos aceitam? Temos exemplos históricos. Mas vamos nos debruçar para entender porque a classe dominante, mesmo sendo beneficiada, age assim. Por que a Fiesp faz propaganda com você [em apoio ao governo] para abaixar a luz e, no outro momento, se arma contra. Ela se sente vitoriosa junto com a gente e, ao mesmo tempo, radicaliza na oposição", diz.
A queixa, no entanto, tem limites. Frateschi em seguida pondera: "Se a gente vive uma contradição com isso, imagino que a dele [do empresariado] deva ser bem maior".Rui Falcão, questionado se o ideário do interesse nacional não camufla o que há de interesse próprio dos empresários aliados, vai além e reconhece que a parceria envolve ganhos mútuos. "Não tem só ideias generosas. Tem base material. Até entre nós", admite. O PT, desde que chegou ao poder federal, viu crescer exponencialmente as doações para suas campanha eleitorais.
Outro ganho esperado com a aproximação com determinados setores empresariais é a criação de um eleitorado sensível às propostas do PT. Falcão cita o caso da área ligada à exploração de petróleo e da discussão a respeito da obrigatoriedade da produção nacional, como na contratação de sondas e de plataformas. Ele afirma haver divergências sobre o assunto e que há funcionários da Petrobras que defendem alugá-las, por exemplo, em Cingapura, para agilizar a produção e porque é melhor a relação custo/benefício. "Mas sou a favor que elas sejam produzidas no Brasil. Em primeiro lugar, cria uma cadeia enorme de fornecedores e ajuda o país a ter domínio de uma área estrutural e estratégica, que gera empregos. E, em segundo lugar, é um emprego qualificado, de um proletariado que tende a ser consciente, organizado e portanto sensível às nossas propostas", diz. (Valor Econômico)
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