Total de visualizações de página

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Leia na integra sentença que condenou João Carlos Dall' Agnol, diretor do HMGV


PREFEITO MUNICIPAL – LICITAÇÃO – AQUISIÇÃO DE MEDICAMENTOS – SIGNIFICATIVO CONJUNTO DE INDÍCIOS – PECULATO – ART. 90 DA LEI 8.666.

1. Significativo conjunto de indícios, dando conta de que foram adquiridos mediante licitação direcionada, medicamentos por preços muito superiores aos de mercado, sempre das mesmas empresas distribuidoras, inclusive desprezando mercado de ótima estrutura e potencialidade de concorrência, fica demonstrada a fraude mediante ajuste, com vantagem para as fornecedoras dos objetos das licitações. 2. Editada a Lei 8.666, não mais se cogita de peculato desvio, se o crime estiver caracterizado como fraude mediante ajuste para dar vantagem a fornecedor do objeto da licitação. Entendimento diverso tornaria ocioso o art. 90 da lei licitatória. Provida apelação do Ministério Público para condenar os réus.


APELAÇÃO CRIME

QUARTA CÂMARA CRIMINAL

Nº 70020685475

COMARCA DE NOVA PRATA

MINISTERIO PUBLICO

APELANTE

NELSO ANTONIO DALL AGNOL

APELADO

JOAO CARLOS DALL AGNOL

APELADO

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, em dar provimento ao recurso do Ministério Público.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Senhores DES. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO (PRESIDENTE) E DES. CONSTANTINO LISBÔA DE AZEVEDO.

Porto Alegre, 11 de outubro de 2007.
DES. GASPAR MARQUES BATISTA,

Relator.
RELATÓRIO

DES. GASPAR MARQUES BATISTA (RELATOR)

NELSO ANTÔNIO DALL´AGNOL foi denunciado nas sanções do artigo 89, "caput", da Lei 8.666/93, e do artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei 201/67, na forma dos artigos 29, "caput", e 71, "caput", ambos do Código Penal; e JOÃO CARLOS DALL´AGNOL foi denunciado nas sanções do artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei 201/67, na forma dos artigos 29, "caput", e 71, "caput", ambos do Código Penal; ambos pela prática dos seguintes fatos delituosos:

1º fato: no período compreendido entre os dias 15 de maio de 2000 e 02 de maio de 2001, na Prefeitura Municipal do município de Nova Bassano, o denunciado Nelso Antônio, prevalecendo-se do cargo de Prefeito Municipal, teria dispensado e inexigido licitação, fora das hipóteses previstas em lei, deixando de observar as formalidades pertinentes à dispensa ou a inexigibilidade, ao contratar, de forma direta e informal, serviços de terraplanagem, perfuração e detonação com a empresa Terraplanagem Salvador Ltda., que totalizaram, nos dois exercícios, o montante de R$ 1.258.516,50 (um milhão, duzentos e cinqüenta e oito mil, quinhentos e dezesseis reais e cinqüenta centavos).

2º fato: no período compreendido entre o dia 03 de fevereiro de 2000 e 25 de julho de 2001, na Prefeitura Municipal de Nova Bassano, de forma continuada, os denunciados, prevalecendo-se dos cargos de Prefeito Municipal e Secretário Municipal da Saúde e Bem Estar Social, agindo em acordo de vontades e conjugação de esforços, teriam desviado rendas públicas pertencentes ao município, no valor nominal de R$ 101.740,65 (cento e um mil, setecentos e quarenta reais e sessenta e cinco centavos), em proveito das empresas COMERCIAL TRITINAGLIA LTDA., NOGUEIRA DISTRIBUIDORA DE PRODUTOS HOSPITALARES LTDA. e VITALIFE PRODUTOS FÁRMACO HOSPITALARES LTDA., ao adquirirem, em procedimentos licitatórios e mediante compra direta, centenas de itens de medicamentos por preços superfaturados.

O denunciado Nelso Antônio apresentou resposta escrita. João Carlos, apesar de notificado, não respondeu.

A denúncia foi recebida em 28/10/2004.

Em 05/10/2005, o Desembargador Relator, Constantino Lisbôa de Azevedo, determinou a remessa dos autos à Comarca de origem, devido ao término do mandato do réu Nelso Antônio e, conseqüentemente, de sua prerrogativa de foro.

Os réus, devidamente citados e interrogados, apresentaram defesas prévias.

Em instrução, foram ouvidas testemunhas de acusação.

No prazo do artigo 499 do Código de Processo Penal, o Ministério Público requereu a atualização dos antecedentes judiciais dos acusados.

Na fase de alegações finais, o Ministério Público postulou a condenação dos acusados nos termos da inicial acusatória, sustentando restarem comprovadas autoria e materialidade dos delitos.

A defesa do acusado Nelso Antônio, por sua vez, pugnou pela absolvição, argumentando a aprovação pelo legislativo municipal para a concessão dos incentivos fiscais.

A defesa do acusado João Carlos pugnou, igualmente, pela absolvição, argumentando a ausência de dolo na conduta do acusado.

Sobreveio sentença, julgando improcedente a pretensão punitiva, para absolver os acusados das imputações que lhes foram feitas, com fundamento no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal.

O agente ministerial apelou com relação ao segundo fato descrito na denúncia. Em razões, sustentou que há elementos suficientes nos autos para ensejar um decreto condenatório.

As defesas ofereceram contra-razões.

Nesta Corte, o Dr. Procurador de Justiça manifestou-se pelo provimento do recurso ministerial.

É o relatório.

VOTOS

DES. GASPAR MARQUES BATISTA (RELATOR)

Conforme relatório do Tribunal de Contas do Estado, ficou demonstrado, com meridiana clareza, que nas várias licitações feitas, para compras de medicamentos, nos exercícios de 1.999, 2000 e 2001, no Município de Nova Bassano, foi dada preferência às empresas Comercial Trintinaglia, Nogueira Distribuidora e Vitalife. Foi demonstrado mais. Outras distribuidoras de medicamentos que operam na região, no mesmo período, tinham preços mais convenientes e não foram convidadas a participar dos certames.

Como se observa a partir de fls. 550 e fls. 123 e segs., raro o medicamento em que o valor pesquisado fosse maior do que o valor pago no citado período, quando deveria ser o contrário. Cresce a idéia de superfaturamento, quando se observa nos períodos anteriores e posteriores a 2000 e 2001, que os valores pagos foram compatíveis com os de mercado.

Até uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi instalada no Legislativo Municipal, para averiguação dos fatos, tendo a conclusão sido a mesma do egrégio Tribunal de Contas, como se vê da conclusão de fls. 120, onde foi recomendada a responsabilização do prefeito e comunicação do fato ao Ministério Público.

As defesas do prefeito e do secretário da saúde não convencem quando afirmam que os preços são muito variados, porque existem muitas marcas com o mesmo princípio ativo e que o Município sempre deu preferência a marcas de qualidade reconhecida. Os preços são realmente variados, como foi alegado, chegando mesmo a 900%, como se vê a fls. 559, para o captopril de 50 mg. Conforme pesquisa feita pelo relator, na internet, foi constatado que o captopril do Laboratório Cimed, tem preços mais vantajosos, para embalagens grandes com 1000 comprimidos. Esse dado, no entanto, não afasta a responsabilidade dos réus. Pelo contrário, resulta demonstrado que o leque do certame deveria ter sido ampliado, já que os autos também têm informação de que mais de cem empresas atuam nesse ramo de distribuição de medicamentos no Estado. Também não vale o argumento de que se deve dar preferência para medicamentos de marca reconhecida, pois se a fabricação foi autorizada pelo Conselho Nacional de Saúde, é porque o medicamento é confiável e a variedade de preços é em função do maior número de comprimidos ou da maior concentração do princípio ativo, variando de 12,5 mg. até 50. Exatamente, pela variedade de preços, foi que o governo passou a adotar medicamentos genéricos, garantidos e com preços bem acessíveis à população mais pobre, atendidas pelo Sistema Único de Saúde.

É claro que não há nos autos, uma prova direta do ajuste, da combinação, do conserto para o expediente fraudatório, mas cabe afirmar que a conduta foi criminosa, quando alicerçada em amplo conjunto de indícios. Veja-se que embora feita licitação foram pagos preços bem mais altos do que os valores de mercado, principalmente preços pagos por outros municípios como Caxias, Bento Gonçalves e Veranópolis, bem próximos, preços até 900% maiores; Há mais de cem distribuidoras dispostas a vender os mesmos medicamentos; Antes de 2000 e 2001, bem como depois, o Município de Nova Bassano pagou preços menores, compatíveis com o mercado; O fato foi significativo, tanto que chamou a atenção da Câmara de Vereadores e do Tribunal de Contas, que se preocupou em pesquisar nos municípios próximos, constatando que estes pagavam preços bem menores, pelos mesmos medicamentos, no mesmo período de tempo. Hoje com o acesso dos brasileiros à internet, a pesquisa de preços tornou-se incrivelmente facilitada, tornando-se indesculpável a conduta do administrador que ignora a existência de preços menores.

Afirmar que a conduta do prefeito e seu secretário não foi dolosa nem culpável, jogando tudo, mais uma vez, sobre os ombros da comissão de licitação, não é justo. Nova Bassano é um jovem município, emancipado em 1.964, com IDH elevado, 0,844, com a maioria das pessoas morando em casas próprias, 1.735 domicílios de propriedade, a população é pequena, menos de oito mil almas. Num lugar assim, o prefeito e o secretário da saúde não tem tanto trabalho, a ponto de ficarem alheios à área administrativa de tamanha importância como a aquisição de medicamentos. Que empresas consultar? Como reduzir a despesa? São indagações obrigatórias para o administrador público hodierno. Não se pode aceitar que os doentes pobres de Caxias do Sul, Bento Gonçalves e Veranópolis estejam consumindo medicamentos de baixa qualidade e que só Nova Bassano teria descoberto o veio da Trintinaglia, única a ter encontrado um captopril melhor que os outros. Como fica a longevidade de Veranópolis? Será que é o vinho tinto do Vale dos Vinhedos que compensa os remédios de baixa qualidade consumidos em Bento?

No relatório da auditoria do Tribunal de Contas foi ocupado largo espaço tratando de irregularidades relacionadas com a aquisição fraudulenta de medicamentos. Disseram os auditores, fls. 545 dos autos: Da análise acerca do processamento das licitações realizadas pela auditada, ao longo do período de exame, especialmente aquelas para aquisição de remédios destinados à Ação de Serviços Públicos de Saúde, constatou-se a ocorrência de irregularidades relativas a direcionamento de certames com restrição de mercado, favorecimento de determinadas empresas, descontrole no recebimento dos produtos e superfaturamento de preços. Vão mais longe os auditores, dizendo: O direcionamento observado na condução dos processos licitatórios empreendidos pela auditada propiciou que as empresas envolvidas apresentassem os preços que bem entendessem. Daí, que em determinadas situações, o erário se viu na contingência de ter de pagar por produtos superfaturados em até 800% daqueles praticados no mercado, em manifesta lesão ao patrimônio público, conforme se exemplifica com o medicamento captopril 50 mg, adquirido em grandes quantidades no período de exame, ao preço unitário de R$ 0,36, quando a menor cotação, levantada pela equipe signatária, referente compra posterior realizada pela própria auditada, foi de R$ 0,0399.

Então, diante desse conjunto de indícios que evidenciam favorecimento a três empresas do ramo de distribuição de medicamentos, especialmente essa Trintinaglia, não se pode recepcionar os argumentos da sentença, no sentido de que não há prova de que os réus não obtiveram vantagem com o fato. A denúncia aponta desvio de renda em benefício alheio, ou seja, das empresas distribuidoras de medicamentos, que venceram os vários certames. E isso ficou demonstrado, porque na medida em que o preço de mercado é quatro e alguém vende para o ente público por cinco, obteve vantagem de um. Essa quantia (um) foi desviada em proveito da empresa privada vencedora do certame viciado. E não se diga que os agentes, prefeito e secretário, não tinham consciência dessa diferença de preço, desse plus que o município estava pagando em cada licitação criminosa, pois estavam pagando bem mais que outros municípios e continuaram pagando, até que flagrados pela Câmara de Vereadores, chegando a ponto de desviar em favor das empresas favorecidas, mais de cem mil reais.

Não se pode dizer, também, que era urgente a compra daqueles medicamentos... Se era urgente, então não precisava fazer licitação... Se foi feita, então não era assim tão urgente... Além do mais, todos os medicamentos comprados, eram remédios comuns, desses que a farmácia municipal, deve ter em estoque, já que receitados com freqüência, como é o caso do captopril, muito usado por pacientes com hipertensão.

Embora demonstrada à exaustão, a delituosidade da conduta dos réus, não se pode seguir a capitulação dada pelo órgão acusador na denúncia. Penso que a partir do advento da lei 8.666, não mais se admite o crime de peculato, quando o desvio ocorre através de certame licitatório. O legislador instituiu o tipo constante do art. 90 da lei licitatória, para os casos em que o servidor público obtém ou concede vantagem através do certame. Se esse não for o entendimento, fica ocioso o citado art. 90, pois sempre que alguém fraudar o certame com o intuito de conceder ou obter vantagem, será peculato. A lei 8.666 é posterior ao D. L. 201, sendo forçoso entender que o legislador resolveu que para esses casos de desvio através de licitação, aplica-se a nova lei e não o vetusto Decreto-Lei.

Assim, estou votando no sentido de prover o apelo do Ministério Público, para condenar os réus pelo segundo fato descrito na denúncia, incursos que estão, no art. 90 da lei 8.666. A pena base deve ser fixada no mínimo, pois são inteiramente favoráveis as circunstâncias judiciais, aumentando-se de um sexto pela continuidade delitiva, resultando em dois anos e quatro meses de detenção. Quanto ao réu que desempenhava o cargo de secretário da saúde, João Carlos Dall Agnol, a pena é acrescida ainda de um terço, já que desempenhava função de confiança, § 2º do art. 84 da lei licitatória, sendo elevada, então, a pena, para três anos um mês e dez dias. Deve ser considerado, ainda, que os crimes praticados antes de 28 de outubro de 2.000 foram atingidos pela prescrição, uma vez que a denúncia foi recebida em 28 de outubro de 2.004. Pena de multa estabelecera em 2% do valor das compras feitas desde 29 de janeiro de 2001. As penas corporais são substituídas por penas restritivas de direitos, prestação de serviços à comunidade e prestação pecuniária, fixada esta, em dez salários mínimos e a ser recolhida para os cofres do Município de Nova Bassano.

É como voto.
DES. CONSTANTINO LISBÔA DE AZEVEDO (REVISOR) - De acordo.

DES. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO (PRESIDENTE) - De acordo.

DES. ARISTIDES PEDROSO DE ALBUQUERQUE NETO - Presidente - Apelação Crime nº 70020685475, Comarca de Nova Prata: "À UNANIMIDADE DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, PARA CONDENAR OS RÉUS COMO INCURSOS NO ART. 90 DA LEI 8.666, A DOIS ANOS E QUATRO MESES DE DETENÇÃO, O RÉU NELSO ANTONIO DALL AGNOL, E A TRÊS ANOS, UM MÊS E DEZ DIAS DE DETENÇÃO, O RÉU JOÃO CARLOS DALL AGNOL, SUBSTITUÍDAS POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. OS RÉUS FORAM CONDENADOS, AINDA, A PENA DE MULTA FIXADA EM DOIS POR CENTO DO VALOR DAS COMPRAS DE MEDICAMENTOS, TUDO CONFORME OS VOTOS PROFERIDOS EM SESSÃO".


Julgador(a) de 1º Grau: CARLOS KOESTER





Nenhum comentário:

Postar um comentário