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sexta-feira, 3 de maio de 2013

A MARCHA DO CAOS FACTUAL

 

André F. Falleiro Garcia

          Neste artigo serão apresentadas as três fases da marcha processiva comunista. Para ilustrar esta análise, ao final será enfocada a tentativa de transferência da Escola Superior de Guerra, tradicional instituição militar formadora da elite militar e civil, sediada no Rio de Janeiro, para Brasília.

     A fase marxista-leninista


20 milhões de mortos na URSS, segundo O Livro Negro do Comunismo

          Desde os anos do terror stalinista, a conservação e a expansão do regime comunista realizaram-se segundo formas clássicas consagradas pela doutrina marxista-leninista. A nota comum era a violência, presente tanto na repressão interna nos países comunistas quanto na expansão internacional por meio de guerras, golpes de Estado, guerrilhas etc. A propaganda ideológica comunista no Ocidente, promovida pela máquina do partido ou a serviço do partido, tinha em vista o levante popular, a luta de classes etc. Enfim, a via armada para a conquista do poder representava a estratégia expansionista do comunismo.

     O resultado disso aparecia quando eram abertas as urnas eleitorais em eleições livres: partidos comunistas anões e insucesso fragoroso na via eleitoral. O impasse a que chegou a expansão comunista levou seus dirigentes a reformularem, ainda nos tempos da Guerra Fria, a sua estratégia. Para a demolição do Ocidente passaram a promover a guerra psicológica revolucionária total, envolvendo todo o homem e o contexto político-social em que está inserido. Conforme relatou  o ex-agente da KGB e dissidente soviético Yuri Alexandrovich Bezmenov, apenas cerca de 15% do tempo, capital e recursos humanos da KGB era gasto especificamente em espionagem e atividades de inteligência. Segundo Bezmenov, os outros 85% eram empregados "em um processo lento que chamamos de subversão ideológica, ou 'medidas ativas' na linguagem da KGB, ou guerra psicológica".[1]

     A fase gramscista: o neocomunismo


Gramsci acentuou a busca da hegemonia cultural e a demolição da Igreja

     Sem que tenham abandonado a doutrina e o método marxista-leninista, os dirigentes comunistas priorizaram então uma atualização que fora preconizada pelo teórico marxista Antonio Gramsci (1891-1937). Com efeito, Gramsci distinguiu a "sociedade política" da "sociedade civil". Enquanto a doutrina marxista-leninista concentrava a aplicação dos esforços sobre a sociedade política que correspondia ao Estado e Governo, Gramsci, um dos fundadores do Partido Comunista Italiano considerou como mais importante alcançar previamente a hegemonia cultural na sociedade civil (as escolas, as universidades, os partidos políticos, as religiões, a mídia etc.).

     Com relação à Igreja Católica, principal bastião da luta anticomunista no Ocidente, Gramsci concebeu a sua destruição por meio da infiltração das idéias comunistas. De fato, com a subida ao trono pontifício de João XXIII teve início a obra demolidora. Sobretudo por meio da concepção igualitária (que apagava a fundamental distinção entre a simples natureza humana e a transcendência divina), da desmitificação das categorias e valores religiosos e da dessacralização, técnicas que se revelaram muito eficientes para a autodemolição da Igreja. Desse modo a sacralidade eclesial se tornou o principal alvo do neocomunismo.

     Com efeito, "entre as medidas para alcançar o que denominava "hegemonia cultural", Gramsci propunha acabar com as crenças, tradições e costumes que falam ao homem de uma transcendência, ridicularizando-as; silenciar, por meio da calúnia, com tudo aquilo que remete para algo transcendente; criar uma nova cultura, na qual a transcendência não tenha lugar; infiltrar a Igreja para conseguir, por qualquer meio, que bispos e sacerdotes atuem contra ela. Este plano, basicamente propunha a autodestruição da Igreja".[2]

     Os anos 60 e 70 foram marcados por esse neocomunismo gramscista, pluralista e convergencialista, que promoveu a queda das barreiras ideológicas e a distensão entre o mundo capitalista e o socialista. Progrediu a autodemolição da Igreja, graças à aplicação do Concílio Vaticano II e à atividade dos papas conciliares. Nesse contexto, o neocomunismo com freqüência se tornou proteiforme e invisível, minando sorrateiramente as instituições e os costumes, modificando hábitos arraigados na psicologia do homem ocidental. A Revolução da Sorbonne em 1968, a Revolução Sexual, a Revolução Cultural que se serviu do rock-and-roll e das drogas, constituíram modalidades dessas transformações promovidas ou estimuladas pelo neocomunismo.

     A fase do caos factual

     A partir dos anos 80, estando já em gestação a metamorfose do comunismo que Gorbatchev denominou "perestroika" (reestruturação), um dos artifícios táticos usuais nas revoluções começou a adquirir destaque cada vez maior: o caos. O processo revolucionário comunista até então avançava fundado na estratégia marxista-leninista atualizada por Gramsci. Com a propagação do caos, as transformações sociais revolucionárias, tanto na sociedade política quanto na sociedade civil, passaram a avançar sobretudo a partir da realidade dos fatos impactantes. O que não interrompeu as maquinações do neocomunismo, mas passou a funcionar como um acelerador episódico, mas freqüente, do processo.

O Muro de Berlim em 1982. O Muro de Berlim em 1989

     Houve então a queda do Muro de Berlim (1989) e a dissolução da URSS (1991).

     Estes acontecimentos não devem ser atribuídos exclusivamente ao enorme descontentamento popular latente no Leste Europeu gerado pelo notório fracasso econômico-social do chamado socialismo real. Uma imperiosa e urgente necessidade do processo de convergência entre o mundo capitalista e o comunista moveu os próprios dirigentes comunistas a programarem e executarem a grande mudança.[3]

     Também por uma exigência do processo revolucionário houve a metamorfose do comunismo: o socialismo real engessava o sistema, impedindo a marcha rumo à sociedade autogestionária, à anarquia e à anomia de micro-coletividades à margem do Estado, onde as formas cooperativistas e tribais realizariam a utopia igualitária.


Medvedev com Chávez

      Sob Yeltsin e depois Putin, o comunismo soviético deu lugar a uma outra estrutura ideológica e sócio-política. Mas, passados alguns anos, o ilusionismo já não produz o mesmo efeito: a presença de navios da marinha de guerra russa em manobras nas águas do Caribe desperta agora na opinião pública a suspeita de que se defronta com o mesmo comunismo de antes, igual ao que sempre foi. Não foi por acaso que Chávez recepcionou a armada russa depois — e não antes — das recentes eleições venezuelanas.  

     Na fase do caos factual os acontecimentos surgem dotados de um dinamismo próprio, capaz de impulsionar grandes e históricas mudanças. Aparecem ventos novos, supostamente espontâneos, que desencadeiam fatos impactantes que, por sua vez, são amplificados e ultradimensionados pela mídia e assim aceleram a marcha do processo revolucionário. As entranhas agitadas e cheias de surpresa da realidade se transformam numa máquina produtora de um caos considerado criativo, que invade os espaços antes ocupados pelo clima de ordem e harmonia no interior da pessoa humana, nas instituições sociais e nos órgãos componentes do Estado.

     Os dois métodos do caos na América

     Um dos métodos desse caos revolucionário — induzido e não espontâneo — é o apodrecimento da família e das demais instituições sociais, como também a corrupção nas estruturas de poder do Estado. Um exemplo disso na realidade brasileira foi o acontecimento bombástico de 13 de junho de 2006: a entrevista do deputado Roberto Jefferson, na qual revelou a existência do "mensalão", um vasto esquema de corrupção envolvendo partidos políticos, empresas estatais e privadas, ministros do governo etc.

     Outro método do caos é a implosão da ordem nas estruturas do Estado ou nas instituições da sociedade civil pela exacerbação de fatores heterogêneos ou homogêneos. É o caso da promoção das reivindicações tribalistas, mediante a acentuação das heterogeneidades, em detrimento da soberania nacional. Aqui já publicamos algumas matérias a esse respeito.[4]

     A meta do processo caótico

     A meta última do processo caótico não se limita à construção da URSAL (a União das Repúblicas Socialistas da América Latina) ou da Ameríndia (o continente tribal latino-americano). Estas são etapas transitórias ou eventualidades operacionais. Pois esse processo visa em última análise o desmantelamento total da sociedade política e da Igreja, da sociedade civil ordenada e da própria estrutura psicológica do homem (para livrá-lo do jugo da razão e imergi-lo na fantasia e mitos tribais). Essa meta autogestionária, caótica e anárquica foi antevista, entre outros, por Engels.[5]

     Na perspectiva da entrada do Brasil na Idade do Caos, nota-se que há pouco mais mais de vinte anos foi iniciada a caminhada por esse percurso que não é longo nem demorado. A velocidade vertiginosa dos processos caóticos de apodrecimento ou implosão não queima etapas, mas a desagregação e ruptura do tecido social são aceleradas à medida que as estruturas psicológicas e sociais vão sendo desarticuladas. Se considerarmos que o progresso de uma nação na História guarda certa analogia com a vida do homem, ficaremos estarrecidos diante da real possibilidade de que nossa pátria, que mal atingiu sua maturidade, caminhe veloz e inexoravelmente para a decrepitude.

     A caotização das instituições-chaves


Escola Superior de Guerra no Rio

     Exemplo da marcha do caos em parceria com o neocomunismo, através do desmantelamento das instituições sociais rumo à sociedade-nada, é a tentativa de mudança da Escola Superior de Guerra (ESG), sediada no Rio de Janeiro, para Brasília. Aplaudimos o esforço de um de seus dirigentes, o coronel Celente, que se empenha em preservá-la para que não caia na armadilha mortal dessa transferência caótica, que resultará em seu desmantelamento ou aparelhamento político.

     Com efeito, ele denunciou no artigo "Em defesa do último bastião do nacionalismo: a Escola Superior de Guerra" a existência de uma campanha de calúnias ou comentários desairosos sobre a ESG, com a finalidade de sensibilizar o Congresso Nacional para a aprovação da transferência da instituição para Brasília. Dentre os absurdos veiculados, destacou: a ESG estaria ultrapassada e não serviria para mais nada; seu Método de Planejamento Estratégico parou no tempo e no espaço; no Rio de Janeiro estaria deslocada, urge a sua transferência para Brasília, para os políticos fazerem seus cursos.

     Com relação à possibilidade de que a transferência da ESG para Brasília faria os políticos retornarem ao seu Corpo de Estagiários, o coronel Celente considerou a afirmação tão infantil que denota a falta de largueza perceptiva. Pois os políticos não deixariam de participar de eventos em sua base eleitoral para assistir aulas ministradas pela ESG. E com amplo e inegável conhecimento de causa rebateu as acusações sobre a falta de atualidade da ESG e falta de eficiência de seus métodos.

     Não se pode deixar de vislumbrar sinais da atuação do caos factual nesse episódio, à vista do questionamento feito pelo coronel Celente: "Será que é proposital a notícia-surpresa, objetivando impactar nefastamente, em termos psicológicos, a todos da Escola e, com isso, obstruir a difusão do nosso Pensamento Estratégico à Sociedade Brasileira?" 

     Publicamos a seguir os trechos mais expressivos desse artigo, ilustrativo do que aqui foi dito sobre a marcha do caos factual. Aliás, remetemos os leitores que queiram aprofundar o estudo do caos factual para o artigo Caos apático e factual na revolução tribalista peruana, que complementa as noções aqui apresentadas.

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