Renata Mariz
De forma discreta, em meio a 13 artigos distribuídos em cinco capítulos, um decreto cujo objetivo era implantar um gabinete integrado de proteção do meio ambiente trouxe, embutida, uma alteração crucial na forma de atuar da Força Nacional de Segurança Pública. A polícia administrada pelo Ministério da Justiça só podia, até então, ser empregada mediante solicitação expressa do governador da unidade da Federação que sofresse de problemas graves na área de segurança pública. Agora, também passa a ser prerrogativa de ministros de Estado requisitar a força para atuar em qualquer parte do território nacional.
Publicada sem alarde há pouco mais de um mês pela presidente Dilma Rousseff, a norma é considerada uma manobra do governo federal para blindar obras polêmicas de protestos e manifestações que possam pôr em risco a conclusão dos empreendimentos, como a construção das megausinas de Belo Monte e Jirau. Na avaliação do subprocurador-geral da República Eitel Santiago de Brito Pereira, a norma traz uma "grave inconstitucionalidade" ao permitir a quebra do pacto federativo. Conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Valmir Pontes Filho vai levar o assunto à presidência da entidade para avaliar a possibilidade de questionar parte do decreto por meio de uma ação judicial.
Para Brito Pereira, que também é presidente da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais da OAB, a autonomia política e administrativa dos entes da Federação não pode ser alterada nem mesmo por emendas à Constituição. Fora de hipóteses excepcionalíssimas previstas no artigo 34 da Carta Magna, a intervenção determinada por qualquer ministro de Estado pode configurar um ato autoritário e antidemocrático", afirma.
IMPOSIÇÃO Para os movimentos sociais, sobretudo os que militam em favor de comunidades atingidas pelas grandes obras do governo federal, o decreto carrega um propósito político. "Não temos dúvida de que o objetivo é impor os megaprojetos, como a construção de usinas hidreléticas em terras indígenas", denuncia o assessor jurídico do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Adelar Cupsinski.
Cupsinski lembra que, em fevereiro, a atuação da Força Nacional já tinha sido objeto de questionamento do Ministério Público Federal no Pará. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) decidiu, entretanto, que o grupo policial criado em 2004 estava amparado na Constituição. Na semana passada, o mesmo TRF-1 determinou a paralisação da Operação Tapajós, que envolve a Força Nacional, as polícias Federal e Rodoviária Federal e agentes da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), montada pelo governo federal para garantir o andamento dos trabalhos preliminares no local onde será erguida a Usina Hidrelétrica São Luís do Tapajós, no Pará, empreendimento que contraria interesses dos índios da etnia Munduruku. Além de determinar o fim da operação, o TRF-1 proibiu qualquer medida relacionada à construção da usina antes da consulta que deve ser feita aos indígenas e populações tradicionais que podem ser impactados pela usina.
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