O Município de Estância Velha terá que indenizar a mãe de um recém-nascido que, necessitando de atendimento especial, não conseguiu ser transferido para um leito de UTI Neonatal. Durante o parto, realizado no Hospital Municipal Getúlio Vargas, o bebê apresentou quadro de Síndrome de Aspiração de Mecônio (SAM). A instituição não dispunha de UTI Neonatal e também não conseguiu efetuar a transferência do paciente para outro hospital com leito disponível. Na avaliação do Juiz de Direito Ramiro Oliveira Cardoso, da 4ª Vara Cível da Comarca de Novo Hamburgo, o fato diminuiu as chances de cura do bebê, que acabou falecendo.
O valor a ser pago à autora é de 120 salários-mínimos vigentes na data da publicação da sentença, equivalentes a mais de R$ 74 mil. A condenação de 1° Grau foi confirmada pela 9ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Caso
De acordo com a autora da ação, em 29/01/01, ela entrou em trabalho de parto, sendo atendida no Hospital Municipal Getúlio Vargas. Durante o procedimento, o recém-nascido aspirou mecônio (primeiras fezes do bebê), vindo a falecer. A autora alega que o corpo médico do hospital foi negligente, agindo de forma tardia. Ainda, disse que não havia pediatra para auxiliar no parto e não foi providenciado um leito em UTI neonatal para o bebê. Ela requereu ressarcimento das despesas com funeral e, também, pagamento de indenização a título de danos morais.
Na ação, apenas o Município de Estância Velha foi responsabilizado, uma vez que o hospital não dispõe de personalidade jurídica própria, já que é parte integrante da organização administrativa municipal. Em sua defesa, o Município argumentou que manteve contato com instituições hospitalares que pudessem ceder um leito de UTI neonatal, mas sem sucesso. E que o recém-nascido foi prontamente atendido pelo hospital, por profissionais da obstetrícia e da pediatria.
Decisão
Ao analisar, o Juiz de Direito Ramiro Oliveira Cardoso, da 4ª Vara Cível da Comarca de Novo Hamburgo, entendeu que deve ser reconhecida a responsabilidade civil do ente municipal, já que este responde objetivamente pelo atendimento prestado em estabelecimento sob sua ingerência. Não se pode negar que a falta de recursos do estabelecimento hospitalar mantido pela municipalidade ceifou a chance de cura da SAM apresentada pelo recém-nascido, a qual era, segundo se extrai do laudo pericial, na pior das hipóteses, de 60%".
O julgador condenou o Município ao pagamento da quantia de 120 salários mínimos vigentes na data da publicação da sentença, a título de danos morais, corrigida monetariamente pelo IGP-M e acrescida de juros de mora de 6% ao ano.
Recurso
Inconformado, o Município de Estância Velha recorreu ao TJRS. No recurso, alegou não poder ser responsabilizado pela ausência de UTI neonatal ou pela não transferência para um hospital que tivesse tal recurso. Isso porque aderiu ao processo de habilitação na Gestão de Atenção Básica, onde o tratamento de alta complexidade, como é o caso de UTI neonatal, cabe ao Estado do Rio Grande do Sul ou à União, através do Sistema Único de Saúde (SUS), de modo que não está obrigado a custear tratamento médico que não diga respeito à assistência básica.
O relator, Desembargador Tasso Caubi Soares Delabary, da 9ª Câmara Cível, considerou que a responsabilidade do Município é objetiva, uma vez que, tendo recebido a paciente para a realização do parto no hospital, assumiu o dever de cuidado com ela e com o bebê, devendo responder pela falta de estrutura e adoção de medidas que impediram tratamento médico-hospitalar necessário ao quadro clínico apresentado pelo recém-nascido.
Frustradas as tentativas de internação em UTI neonatal em hospitais da região pela rede pública, competia ao demandado providenciar a internação em hospital privado ainda que em modo particular, arcando com as expensas decorrentes, e não simplesmente remeter o nascituro para a central de leitos e permitir que viesse ao óbito enquanto aguardava a vacância de leito em UTI neonatal na rede pública de saúde, notoriamente falida, mormente em se tratando de UTI neonatal", afirmou o Desembargador Tasso.
A Desembargadora Iris Helena Medeiros Nogueira, que também acompanhou o voto do relator, destacou em seu voto que não foi comprovada a culpa do corpo médico do hospital. Tenho que não restou demonstrada a atuação culposa no procedimento prático adotado pelo corpo médico em relação ao quadro de Aspiração de Mecônio apresentado pelo nascituro, contudo, a atuação dos médicos locais esbarrou na falta de estrutura oferecida pelo hospital municipal".
O Desembargador Leonel Pires Ohlweiler também participou da sessão, e votou de acordo com os colegas. A sentença já transitou em julgado e não há mais como recorrer da decisão.
Apelação Cível 70051433290
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