Juiz Márlon Reis |
O grupo de trabalho da Câmara dos Deputados responsável pelo projeto que modifica a legislação eleitoral em vigor no Brasil, uma espécie de minirreforma política, vai entregar, na próxima terça-feira, as propostas que abrandam a Lei da Ficha Limpa e facilitam a vida dos gestores que tiveram contas reprovadas. O deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), coordenador do grupo, declarou que o projeto de lei complementar será inicialmente levado ao colégio de líderes e, no mesmo dia, ao plenário. A expectativa é de que a matéria seja aprovada até o fim de junho.
Pela Lei da Ficha Limpa, os gestores que tiverem as contas rejeitadas pelos tribunais de contas não podem se candidatar nas eleições dos próximos oito anos. Um dos pontos a serem modificados é justamente este, para muitos a razão de ser da Lei da Ficha Limpa. A proposta de mudança esvazia o poder dos tribunais de contas. Pelo novo texto, a palavra final sobre as irregularidades nos balanços contábeis dos chefes de executivo seria dada pelas respectivas casas legislativas.
Na prática, aqueles que tiverem as contas reprovadas apenas pelos tribunais de contas vão poder se candidatar normalmente. Prefeitos, governadores e presidentes só seriam impedidos de concorrer a cargos eletivos se os pareceres dos tribunais de contas fossem aprovados pelas câmaras municipais, assembleias legislativas ou Congresso Nacional.
Vaccarezza afirma que não existe polêmica nem corporativismo. "A proposta já está pronta e vamos levá-la a plenário na próxima terça-feira. Não existe polêmica. Atuamos com bom senso. Corrigimos apenas algumas distorções." Ele justificou o objetivo da mudança. "Parecer de tribunal de conta não é decisão."
O juiz Marlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, reagiu contra o que chama de golpe para "beneficiar políticos corruptos". "Estamos acompanhando tudo isso de longe. A Lei da Ficha Limpa foi produto de um movimento cívico e, agora, a sociedade não foi convocada para avaliar essas mudanças", alegou.
O magistrado comentou que as alterações previstas atacam o núcleo da legislação. "É uma tentativa de golpe. Tivemos conhecimento disso por meio de rumores. Não tenho aqui os números de cabeça, mas grande parte daqueles que se tornam inelegíveis é justamente porque tiveram contas rejeitadas pelos tribunais. Câmara de vereadores não rejeita conta de ninguém. Essa mudança aposta na volta da impunidade", reagiu.
Outro ponto que se pretende alterar é em relação a quem assume o cargo no caso de anulação dos votos do primeiro colocado na disputa eleitoral. Pela legislação atual, quem terminou em segundo assume automaticamente. O novo texto prevê que se convoque uma nova eleição, beneficiando o partido do candidato que cometeu irregularidades. Atraso
Apesar de o projeto da Ficha Limpa ter sido sancionado pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 4 de junho de 2010, quatro meses antes das eleições de outubro, a lei não valeu para o pleito daquele ano. Isso gerou apreensão entre os eleitores, pois o primeiro julgamento feito pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para decidir sobre a aplicação ou não da lei em 2010 ocorreu justamente em outubro, e terminou com placar empatado: cinco votos contrários e cinco a favor.
Somente em março de 2011, o Supremo definiu a questão com o voto dado pelo ministro Luiz Fux contra a aplicação da norma para o pleito de 2010. O entendimento é de que a lei desrespeitou a Constituição, que determina que qualquer alteração na lei eleitoral deve ser aplicada somente um ano depois de sua vigência. Por fim, em fevereiro de 2012, o STF declarou constitucional a Lei da Ficha Limpa.
As principais mudanças
» Pela Lei da Ficha Limpa, os gestores que tiverem suas contas rejeitadas pelo Tribunal de Contas se tornam inelegíveis pelos oito anos seguintes, contando a partir da data da decisão. Com o novo texto, os chefes do Poder Executivo federal, estadual e municipal só se tornam inelegíveis se as contas foram rejeitadas pelas respectivas Casas Legislativas.
» Pela lei em vigor, se os votos do candidato mais bem colocado forem anulados pela Justiça Eleitoral, quem assume automaticamente é o segundo. Agora, os parlamentares pretendem aprovar legislação que determine uma nova eleição em caso de anulação dos votos do primeiro colocado.
Memória - Ação da sociedade
A campanha da Ficha Limpa surgiu em abril de 2008, sem o nome de batismo atual, com o objetivo de melhorar o perfil dos candidatos a cargos eletivos do país. A iniciativa foi organizada por entidades da sociedade civil. O grupo elaborou um projeto de lei sobre a vida pregressa dos candidatos que pretendia tornar mais rígidos os critérios de inelegibilidades.
Durante um ano e cinco meses, mais de 1,3 milhão de assinaturas foram recolhidas. A proposta chegou oficialmente ao Congresso em 29 de setembro de 2009. Pelo texto original, o projeto de lei visava barrar o registro de candidatos condenados por crimes graves ou contra a administração pública já em primeira instância.
Os parlamentares alteraram a versão original, determinando que apenas as pessoas condenadas por um órgão colegiado é que poderiam ter o registro negado pela Justiça Eleitoral. A sanção presidencial ocorreu em 4 de junho de 2010, mas a lei só valeu para as eleições de 2012. (Do Correio Braziliense)
Nenhum comentário:
Postar um comentário