Curioso observar que o presidente do PT, Rui Falcão, e os condenados   na Ação Penal 470 (mensalão) José Dirceu, José Genoino, Delúbio Soares e   João Paulo Cunha não negaram a prática dos crimes apurados pelo   Ministério Público e julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF).   Realmente, nenhum deles teve a coragem de dizer que não foram desviados   milhões de reais dos cofres públicos para distribuição a aliados e   amigos. Esse dinheiro, como água suja, jorrou por um buraco negro no   Palácio do Planalto, bem debaixo do nariz do então presidente Lula, o   qual não sabia de nada, não viu nada.
    Os quatro condenados a toda hora dizem que o STF agiu politicamente   com o propósito de prejudicá-los e ao Partido dos Trabalhadores. Isso   significaria que ministros da Suprema Corte indicados pelo próprio PT   agiram politicamente com o fim de prejudicar a legenda.
    Incrível, eles parecem pretender que a população brasileira engula   esse sapo. Só os mais ingênuos não perceberão que essa é uma estratégia   destinada a desmerecer as condenações e implantar um estado de dúvida   entre os brasileiros. Chegaram ao ponto de fazer uma ameaça, consistente   em obter perante a opinião pública o "julgamento do julgamento", ou   seja, uma decisão popular contrária ao sentimento de aprovação que se   verifica entre os brasileiros em relação aos ministros do STF e aos   julgamentos já realizados.
    No âmbito da raivosa militância petista, marcada por seu conhecido   apetite de poder e de cargos, não terão dificuldades em obter esse   veredicto, mas de validade restrita ao grupo. Também ante a fragilizada   União Nacional dos Estudantes (UNE), braço do PT, não será difícil   "julgar o julgamento". Mas, se saírem das áreas contaminadas pelo   petismo, poderão verificar a formidável imagem consolidada pelos   ministros do STF e pelo julgamento em si.
    Impera claramente no Brasil, talvez pela primeira vez em nossa   História, um coletivo sentimento não apenas de aprovação do trabalho do   Supremo Tribunal, mas também de admiração pelo feito. Por outro ângulo, é forçoso reconhecer que esses condenados estão à   beira da prática de novos crimes. Na medida em que atribuem aos   ministros do STF uma conduta desonrosa e desonesta, consistente em   julgamentos por interesses pessoais e políticos, sugerem violação da   conhecida tipicidade inserida há quase um século no Código Penal: a   difamação. 
    Realmente, estão concorrendo para difamar ministros, que são agentes   públicos e agiram no estrito cumprimento do dever de julgar. O artigo   139 do Código Penal não deixa dúvidas quanto à necessidade de condenar   pessoas que imputam a outrem fato ofensivo à sua reputação. A pena é de   três meses a um ano, além de multa. Mas pode ser acrescida de um terço   quando o delito é cometido "contra funcionário público, em razão de suas   funções" (artigo 141, II).
    A imputação que eles fazem aos julgadores é de fato determinado, ou   seja, promover julgamento político, conduta que resultaria em excluir o   princípio de simples aplicação da lei em vigor. Afastar-se da lei, para   julgar alguém com fundamento em razões políticas, significa ofensa das   mais graves. O direito de expressão está garantido pela Constituição federal e   isso assegura aos condenados a possibilidade de demonstrar a sua   insatisfação. Mas, na medida em que ultrapassam os limites da legislação   penal em vigor, sem nenhuma dúvida correm novos riscos. 
    Não se deve esperar que nenhum dos ministros do STF chegue ao ponto   de representar contra os difamadores. Eles possivelmente estarão   relevando essas ofensas, até o momento, quem sabe, em que elas se tornem   mais contundentes e mereçam uma resposta.
    O fato de os condenados nada dizerem a respeito do dinheiro que vazou   pelo buraco negro do Palácio do Planalto e se limitarem a condenar o   julgamento é, sem dúvida, uma forma de poupar a figura de seu aliado   Luiz Inácio Lula da Silva. Somente um tolo acreditará que aquela fortuna   foi para o ralo sem que o então presidente da República efetivamente   nada soubesse.
    Não se tratava de alguns reais, e sim, conforme emergiu nos cálculos   dos ministros do STF, de cerca de R$ 350 milhões. Essa volumosa quantia   deixaria com água na boca o deputado federal Paulo Maluf, que tem o   Ministério Público no seu pé por muito menos. Não dá para concluir o que é pior: se ser presidente da República e   nada saber ou ser presidente da República, saber e consentir. Essa   dúvida vai permanecer entre nós, quem sabe, até o momento em que algum   dos condenados, já atrás das grades, e diante dessa nova realidade,   acabe por dar com a língua nos dentes.
    O estado psicológico de pessoa submetida a processo criminal sofre   variação muito forte quando ela se vê encarcerada. É quando cai na real e   em muitos casos se mostra disposta a falar o que não disse durante o   curso do processo. Alguns dos condenados vão permanecer por longo período atrás das   grades, tomados por sentimento de abandono, e isso poderá resultar em   novas denúncias, que esclareçam o tipo de sociedade que havia entre o   grupo e quais, realmente, eram os sócios. 
    No presente, permanece uma clara aliança pessoal e   político-partidária entre Lula, Dirceu, Genoino e Delúbio. Fica a   impressão de que o primeiro, se nada soubesse da trama urdida debaixo de   seu nariz, com certeza estaria furioso com os aliados, porque, afinal, o   desgaste que está sofrendo é incomensurável.Ainda mais agora, quando   sua amiga íntima Rosemary Nóvoa de Noronha -   que havia sido secretária de José Dirceu por longos anos - ganhou as   primeiras páginas dos jornais. Rose foi demitida pela presidente Dilma   Rousseff sem aviso e quando Lula estava fora do Brasil. Esse fato é   significativo e projeta o surgimento de uma trinca na aliança que sempre   existiu na cúpula petista. 
    ALOÍSIO DE TOLEDO CÉSAR, DESEMBARGADOR APOSENTADO DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO , no Estadão de hoje. 
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