A teoria do domínio do fato, abaixo explicada em matéria do Valor Econômico, abre caminho para a condenação de José Dirceu, mas também poderá ser aplicada para Lula, quando este for acusado de ter sido o verdadeiro mandante do Mensalão, na delação premiada prometida por Marcos Valério. Leiam abaixo.
Em meio a uma reviravolta em sua jurisprudência promovida pelo julgamento do processo do mensalão, o Supremo Tribunal Federal (STF) deve debater nesta semana uma tese jurídica que, se aceita pela Corte, poderá levar à condenação de José Dirceu. Contra o ex-ministro-chefe da Casa Civil do governo Lula pesa a acusação de ser o mandante de um esquema de compra de votos no Congresso Nacional. Desde o início do processo, no entanto, a própria Procuradoria-Geral da República (PGR) deixou claro que as provas contra Dirceu são basicamente testemunhais, com o argumento de que chefes de quadrilha raramente deixam rastros documentais. Diante desse cenário, uma possível condenação de Dirceu teria que ser feita à luz da chamada teoria do domínio do fato - tese jurídica que até hoje nunca foi aplicada pela Corte Suprema para basear condenações criminais.
A teoria do domínio do fato foi desenvolvida para que seja possível atribuir responsabilidade penal a quem pertence a um grupo criminoso, mas que, por ter uma posição hierárquica superior, não é o sujeito que pratica a ação criminosa propriamente dita. Em outras palavras, permite a punição do mandante do crime, que age na obscuridade e não deixa rastros, mas tem o chamado "domínio do fato", e não apenas do agente que o executa. "É uma teoria que procura explicar a responsabilidade penal de quem, apesar de não executar o crime, dá a ordem", diz Renato de Mello Jorge Silveira, professor titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).
Bastante disseminada na Europa, a teoria do domínio do fato foi desenvolvida durante os anos 60 para fazer frente ao aumento da criminalidade econômica, cometidos por criminosos inseridos em estruturas organizadas de poder, com diferentes níveis hierárquicos. No Brasil, no entanto, começou a ser aplicada há apenas uma década, também nos casos de crimes econômicos.
De acordo com Silveira, já há algumas condenações na Justiça brasileira que se baseiam na teoria do domínio do fato. Nos tribunais superiores, no entanto, sua aparição em processos ainda é rara. O professor fez uma pesquisa na jurisprudência do Supremo e encontrou apenas quatro referências a ela em processos no tribunal - uma delas é feita em um recurso apresentado na própria Ação Penal nº 470, que trata do mensalão. Em nenhum dos processos, no entanto, a teoria serviu de base para condenações. Isso ocorre pelo fato de o Supremo, em geral, julgar apenas recursos apresentados em ações penais que tramitam nas instâncias inferiores da Justiça - o que leva os ministros a analisarem questões processuais, mas não o mérito da ação, quando a teoria pode servir de argumento para a acusação.
Já no Superior Tribunal de Justiça (STJ), segundo a pesquisa de Silveira, a teoria do domínio do fato já permeou diversos processos - foi encontrada em 42 ações na Corte, especialmente a partir de 2007. "mas sua utilização é bastante pontual, sem ter determinante para legitimar condenações", diz o professor da USP.
Durante o julgamento do mensalão, a teoria do domínio do fato já foi citada por alguns ministros ao longo das sessões. No dia 5 de setembro, a ministra Rosa Weber inaugurou o debate sobre o tema ao discorrer sobre a relevância das chamadas provas indiciárias - que demonstram apenas que há indícios de quem tenha sido cometido um crime - no julgamento de crimes do colarinho branco. "Nos crimes de guerra punem-se os generais estrategistas e não os simples soldados que seguem as ordens", disse a ministra.
Ela citou textualmente a tese ao afirmar que "domina o fato quem tem o poder de desistir e mudar a rota da organização criminosa". Já na sessão do dia 9 de setembro, o ministro Celso de Mello, decano da Corte, saiu em defesa da aplicação da teoria. "É preciso lembrar que o crime foi realizado num concurso de pessoas", disse. "Não é necessário que cada um dos réus tenha praticado todos os atos fraudulentos. Cada coautor tem a sorte do fato total em suas mãos através do cumprimento de uma função específica na perpetuação de um projeto criminoso."
Durante a apresentação das alegações finais da acusação da Procuradoria-Geral da República (PGR) feita no início do julgamento, o procurador-geral Roberto Gurgel afirmou que foi José Dirceu "que criou o sistema ilícito de obtenção de apoio da base parlamentar do governo." No entanto, disse que "como quase sempre acontece com chefes de quadrilhas, José Dirceu não aparecia no esquema." Segundo Gurgel, "a prova contra chefe de quadrilha tem características diferentes" porque em geral ele "age entre quatro paredes". "O autor intelectual quase sempre não fala ao telefone, não envia e-mails e não movimenta contas bancárias para não deixar rastros - e nesse caso, a prova não é documental, mas testemunhal", afirmou Gurgel.
A antiga cúpula do PT, formada pelo ex-presidente do partido José Genoíno e pelo ex-tesoureiro Delúbio Soares, além de Dirceu, é acusada de formação de quadrilha e corrupção ativa. Devido a um "refatiamento" do processo do mensalão no Supremo, eles devem começar a ser julgados nesta semana, às vésperas do primeiro turno das eleições municipais.
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