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segunda-feira, 11 de abril de 2011

Vitória no TJ-RS por unanimidade

CRIME DE IMPRENSA.

1. RESPONSABILIDADE SUCESSIVA. Conhecido o autor da matéria dita criminosa, somente contra este caberá ação penal.  Art. 37, I, Lei nº 5.250/67. Ilegitimidade passiva declarada com relação à proprietária do jornal.

2. FALTA DE JUSTA CAUSA À AÇÃO PENAL.  Afirmações genéricas, sacadas contra a Administração Pública, baseadas em dados concretos, sem indicar quem deu causa às irregularidades apontadas na coluna jornalística. Ausência de justa causa reconhecida. Rejeição da queixa confirmada.

 APELO IMPROVIDO. UNÂNIME.

 

 

Apelação Crime

 

Quinta Câmara Criminal

Nº 70020328134

 

Comarca de Estância Velha

ELIVIR DESIAM,

 

APELANTE;

MAURI MARTINELLI,

 

APELADO;

CLAUDETE TERESINHA RIHL,

 

APELADO.

 

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade, na conformidade do voto do relator, declararam a ilegitimidade passiva da querelada Claudete Teresinha Rihl, e negaram provimento ao apelo, mantendo, em conseqüência, o julgado singular.

Custas na forma da lei.

Participaram do julgamento, além do signatário (Presidente), os eminentes Senhores Des. Amilton Bueno de Carvalho e Des.ª Genacéia da Silva Alberton.

Porto Alegre, 03 de outubro de 2007.

 

 

DES. LUÍS GONZAGA DA SILVA MOURA,

Relator.

 

RELATÓRIO

 

Des. Luís Gonzaga da Silva Moura (RELATOR)

 

Elivir Desiam ofereceu queixa-crime contra Mauri Martinelli e Claudete Teresinha Rihl, dando-os como incursos nas sanções do artigo 20 da Lei nº 5.250/67, pelo cometimento do fato delituoso, que assim veio descrito na peça inicial:

 

"O querelante é Prefeito da Cidade de Estância Velha e, nessa condição, exercendo uma função pública, foi alvo de acusações levianas, praticadas pelos querelados e tipificaodos na Lei de Imprensa.

Senão vejamos:

No Jornal "O Minuano", de propriedade da segunda querelada, o qual teve circulação nos dias 21 a 27 de outubro de 2005, foi veiculada uma matéria, sob o título "Tribunal de Contas", na coluna escrita pelo primeiro querelado, Mauri Martinelli, endereçada ao querelante, onde o mesmo faz acusações graves e caluniosas, nos seguintes termos:

'Tribunal de Contas.

Algumas irregularidades da administração petista foram levadas ao conhecimento do TCE, que enviou alguns auditores até a Prefeitura para averiguar algumas denuncias:

Demanda nº 9870299054 Caso Atanásio Foi confirmado o delito

Demanda nº 8450209053 Área de Terras Foi confirmado o delito

Demanda nº 8770299054 Rótula, obra fantasma Foi confirmado o delito.

Frase da semana

'O administrador público, ao fazer merda, aduba a vida da oposição'.'"

 

Citados (fls. 23vº), os réus apresentaram defesas prévias (fls. 23/32 e 33/35). Foi alegada a ilegitimidade passiva da ré Claudete.

 

Após parecer do Ministério Público, sobreveio decisão (fls. 38/40), rejeitando a queixa-crime, condenando o querelante ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios ao patrono da querelada, no valor de R$ 300,00 (trezentos reais).

 

O ato decisório foi publicado em 10 de outubro de 2006.

 

O querelante interpôs apelação (fls. 43). Nas razões, postulou que os querelados agiram sob dolo eventual, sendo suficiente para integrar o elemento subjetivo do crime (fls. 58/64).

 

Em contra-razões, a defesa pugnou pela manutenção da sentença (fls. 67/68).

 

O Ministério Público manifestou-se pelo provimento da apelação, fins de que seja recebida a queixa-crime (fls. 69/74).

 

Nesta instância, emitiu parecer o Dr. Edgar Luiz de Magalhães Tweedie, Procurador de Justiça, opinando pelo parcial provimento do apelo, para fim de ser recebida a queixa-crime e reconhecer a ilegitimidade passiva da querelada Claudete (fls. 76/78).

 

É o relatório.

VOTOS

 

Des. Luís Gonzaga da Silva Moura (RELATOR)

 

É manifesta a ilegitimidade passiva da querelada Claudete Teresinha Rihl.

 

Isto porque, um, nos crimes de imprensa, à ótica do artigo 37 da Lei n.º 5.250/67, a responsabilidade é sucessiva e não solidária ou simultânea.

 

 Assim, de acordo com esse princípio, sendo conhecido o autor da matéria dita criminosa - e na espécie em julgamento, como relata a queixa, as alegadas "acusações graves e caluniosas" vieram na coluna assinada pelo querelado Mauri Martinelli -, e tratando-se de pessoa idônea e residente no país, somente contra este caberá ação penal - inciso I do artigo 37 da Lei n.º 5.250/67 -, não cabendo, desta forma, responsabilidade solidária à proprietária do jornal, ou qualquer outra pessoa.

 

Nesse sentido:

 

"A Lei de Imprensa adotou o princípio da responsabilidade sucessiva e não solidária. Assim, sendo conhecido o autor do escrito incriminado publicado pela imprensa, somente caberá ação penal contra este, não podendo a queixa-crime ser oferecida contra o diretor-editor do periódico, parte ilegítima passiva" (RT 630/317);

 

"Feita a indicação do autor do escrito incriminado, na forma do § 1.º do art. 37 da Lei de Imprensa, com a conseqüente assunção de responsabilidade, somente ele responderá pelo abuso cometido, uma vez que na escala sucessiva ele está em primeiro lugar, se idôneo e não ausente do país" (RT 565/330);

 

"Sendo a responsabilidade pelo delito de imprensa sucessiva e não solidária, conhecido e identificado o autor do escrito incriminado, por ele não responde o diretor do jornal em que foi publicado" (RT 566/327).

 

 

Dois, quanto ao mais, por incensurável, confirmo a decisão singular, o que faço pelos fundamentos trazidos pela MM. Juíza de Direito Ângela Roberta Paps Dumerque, os quais, por não abalados pelo argumentos recursais, adoto como razões de decidir e, a evitar inútil tautologia, transcrevo no que pertinente.

 

"...Tenho que desnecessária, apesar de aplicável, a designação de audiência preliminar, por ser possível a rejeição da queixa-crime nos termos que ela se encontra.

A matéria que originou a presente queixa (fls. 14), sob o título 'Tribunal de Contas', merece ser transcrita para o deslinde da quaestio iuris:

'Tribunal de Contas

Algumas irregularidades da administração petista foram levadas ao conhecimento do TCE, que enviou alguns auditores da até a Prefeitura para averiguar algumas denúncias:

Demanda nº 9870299054 Caso Atanásio Foi confirmado o delito.

Demanda nº 8450299053 Áreas de terras Foi confirmado o delito.

Demanda nº 8770299054 Rótula, obra fantasma Foi confirmado o delito.

Frase da semana

"O administrador público, ao fazer merda, aduba a vida da oposição".' (grifo no original)

 

Primeiro: é de se questionar, primeiramente, a própria legitimidade ativa da presente queixa-crime, ofertada pelo Prefeito Municipal que se sentiu atingido em calúnia. Isto porque a notícia veiculada afirma a existência de irregularidades a que o Prefeito deu causa. Sem, vale dizer, imputar a alguém fato definido como crime, como requer o tipo penal da calúnia, insculpido no Código Penal e repetido no art. 20 da Lei de Imprensa. A partir da notícia, poder-se-ia perguntar, sem resposta frutífera: foi o Prefeito quem deu causa às irregularidades? Foi um funcionário do gabinete do prefeito quem deu causa? Foi um secretário da Administração? Foi o motorista do Secretário? Ora, não há, em qualquer momento, a identificação de alguém como autor de um ato ilícito.

Neste sentido, ensina Damásio de Jesus, citando julgados do STJ e STF:

 

'Para que ocorra crime é necessário que a ofensa se dirija contra pessoa certa e determinada. Assim, não constitui calúnia a imputação de fato criminoso aos "católicos", "comunistas", etc. (...) Nesse sentido: STJ, RHC 288, RT, 655:346; STF, RTJ, 131:1.'

(JESUS, Damásio E. de. Código Penal Anotado. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 474)

 

Assim, esta simples verificação, parece-me, já seria suficiente para rejeitar a queixa nos termos do art. 44, § 1.º da Lei nº 5.250/67 c/c art. 43, III do Código de Processo Penal, segundo o qual: 'Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: (...) III – for manifesta a ilegitimidade da parte ou faltar condição exigida pela lei para o exercício da ação penal.'

Segundo: mas não é só. Ainda que considerássemos a legitimidade do querelante para a presente queixa, deveria ser esta rejeitada. Da maneira como veiculada a matéria, e após um exame amiúde e cuidadoso da mesma, feito em repetidas vezes, acredito ser plenamente prescindível o envio de Ofício ao Tribunal de Contas para saber da situação das demandas numeradas na matéria, como solicitaram os querelados (fls. 31 e 34).

Isto porque, no ali posto, não há qualquer 'imputação de crime', muito menos, como quer a querelante, a demonstração de 'fatos precisos, com todos os contornos da tipificação penal'. Há, ali, a afirmação de irregularidades apontadas pela 'administração petista' acrescentadas do número de demandas do Tribunal de Contas onde, supõe-se, foram 'confirmados delitos'. Nada mais.

Como é cediço, o crime de calúnia (disposto no art. 138 do Código penal e repetido no art. 20 da Lei de Imprensa) depende da afirmação, por parte do sujeito ativo, exatamente de 'fatos precisos, com todos os contornos da tipificação penal'. Apenas com base na matéria, é impossível determinar qualquer tipo penal imputado ao Prefeito querelante. Muito menos qualquer precisão acerca das circunstâncias dos fatos imputáveis como crime. De preciso, na matéria, há apenas o apontamento da existência de irregularidades, alcunhando três casos como 'Atanásio', 'Área de Terras', 'Rótula, obra fantasma', sem qualquer delonga ou detalhamento acerca dos mesmos.

E mais: em nenhum momento logrou o querelante apanhar os números das demandas apontadas supostamente contra ele junto ao Tribunal de Contas para trazer aos autos uma manifestação no sentido de serem as mesmas completamente infundadas, quiçá exatamente por sua verossimilhança. Mas, como já se disse, a conferência das demandas referidas ali com a confirmação dos delitos não me parecem importantes para o conteúdo da presente queixa, face a ambigüidade dos elementos nela transcritos.

Refere o querelante, por fim, o evidente intuito de denegrir a sua imagem com a frase exposta ao final da matéria: 'O administrador público, ao fazer merda, aduba a vida da oposição'. (sic) Também aí não parece assisti-lo a razão. Isto porque esta frase, com evidente tom irônico, não é prontamente vinculável, como quer o querelante, à matéria sob o título 'Tribunal de Contas', o que se pode depreender da análise do jornal (fls. 14). Está a frase negritada ao fim de toda a coluna assinada pelo querelado Mauri Martinelli, não se podendo precisar se dizia ela respeito a todas as matérias, a algumas delas, a uma delas especificamente ou a nenhuma delas, situação esta última que estaria, é verdade, em um certo quê de paralelismo, mas plenamente possível.

Há, o que nos parece, no ementário da coluna 'Tô de Olho', assinada pelo querelado Mauri Martinelli, uma constância de afirmações contra diversas esferas de governos petistas, podendo-se levar a crer uma tendência partidária de sua coluna e do Jornal 'O Minuano'. Mas não é o que está em questão aqui. Tampouco se pode exigir de um jornalista – ou de um colunista – a imparcialidade que se deve exigir de um magistrado. De regra, o bom jornalismo é aquele feito com imparcialidade. Não obstante, há, no mundo inteiro, excelentes jornais, periódicos, revistas que se consolidaram por tendências partidárias, governistas, anti-governistas, fazendo do jornalismo uma atividade marcada com o tom da ideologia. A ideologia, exposta em periódicos, não sufoca o plurismo. Ao contrário, o consagra, desde que aberto a dialética, às opiniões contrárias. O jornalismo brasileiro, desde a derrocada da funesta ditadura militar, não mais sofre deste tormento. No mais a mais, não existe – e seria esdrúxulo existir – a tipificação do 'crime de mal jornalismo'. Mas esta reflexão, aberta aqui, vai muito além daquilo que se necessita para julgar esta lide: a inexistência de fato cominável como crime de calúnia.

Nesta esteira, convém lembrar o disposto no art. 43 do CPP: 'Art. 43. A denúncia ou queixa será rejeitada quando: I – o fato narrado evidentemente não constituir crime; (...)'. Igualmente, o art. 44, § 1º da Lei de Imprensa: 'Art. 44. O juiz pode receber ou rejeitar a denúncia ou queixa, após a defesa prévia, e, nos crimes de ação penal privada, em seguida à promoção do Ministério Público. § 1º A denúncia ou queixa será rejeitada quando não houver justa causa para a ação penal, bem como nos casos previstos no art. 43 do Código de Processo Penal.' Grifou-se)

Destarte, pelo todo sinalado, reputar calúnia às afirmações constantes, seria levar a cabo interpretação demasiado rígida aos fatos. Tampouco parece haver a 'justa causa' que a Lei de Imprensa atribui como requisito à ação penal. E, não havendo crime, não há também motivos para transação ou composição..." (fls.38/40).

 

Acresço, arriscando ser repetitivo:

 

(1) Mesmo admitindo que do texto incriminado seja possível colher algumas alusões à irregularidades atribuídas à administração do município, do qual o querelante é prefeito, o fato é que o escrito não identifica, modo direto e inequívoco, quem seriam os responsáveis (ou o responsável) pelas irregularidades administrativas denunciadas pelo querelado, pelo que imperioso era, ao meu sentir, o aforamento do procedimento preparatório - pedido de explicações -, aqui, verdadeira condição para o ajuizamento da queixa - ação principal -, porquanto somente através da demanda cautelar é que se poderia identificar, ante a impessoal e genérica redação empregada, a quem o escrito tido por ofensivo foi dirigido.

 

Assim:

 

"Se imprecisas as declarações, se vagas, sem incidência direta sobre a pessoa do querelante, não há crime enquanto não esclarecidas tácita ou expressamente na interpelação..." (JUTACRIM/SP, n.º 92/91).

 

 

(2) Ao que se verifica, no apontar as irregularidades da administração municipal, a coluna do querelado Mauri usou dados concretos, mencionando inclusive os números das demandas tramitadas no Tribunal de Contas, o que evidencia a natureza e o propósito jornalístico da informação prestada, situação a afastar a justa causa para a ação penal.

 

Com estas considerações, declarada a ilegitimidade passiva da querelada Claudete Teresinha Rihl, nego provimento ao apelo, mantendo, em conseqüência, o julgado singular.

 

É o voto.

 

 

Des. Amilton Bueno de Carvalho (REVISOR) - De acordo.

Des.ª Genacéia da Silva Alberton - De acordo.

 

DES. LUÍS GONZAGA DA SILVA MOURA - Presidente - Apelação Crime nº 70020328134, Comarca de Estância Velha: "À UNANIMIDADE, DECLARADA A ILEGITIMIDADE PASSIVA DA QUERELADA CLAUDETE TERESINHA RIHL, NEGARAM PROVIMENTO AO APELO, MANTENDO, EM CONSEQÜÊNCIA, O JULGADO SINGULAR ."

 

 

Julgadora de 1º Grau: Dra. ANGELA ROBERTA PAPS DUMERQUE

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