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quinta-feira, 28 de abril de 2011

Imposto Renda: esse leão parece que só tem olhos para os calcanhares da classe média

Com a defasagem na tabela, que perde de goleada da inflação, quem era isento em 96 hoje paga 27,5%

  "Como a classe média sendo massacrada com os impostos, é mais do que oportuno iniciar uma grande mobilização nacional para ter uma verdadeira reforma tributária, começando pelo imposto de renda da pessoa física".
Roberto Rodrigues de Morais, especialista em Direito Tributário.
Nesses dias fatídicos, em que a imagem sinistra e ameaçadora de um leão faminto e implacável nos acossa por todos os lados, impondo-nos o exercício pormenorizado da memória e da matemática, eu me pergunto por que ninguém questiona com a firmeza necessária esse pleonasmo tributário, que leva boa parte de 24 milhões de assalariados – quem ganha mais de R$ 3,9 mil por mês - a pagar quase um terço do que recebem a título de imposto de renda, enquanto é igualmente tributado em tudo o que paga, o que leva os brasileiros a morrerem hoje em impostos no equivalente a 37% de suas remunerações.
Tem sido voz corrente – e recorrente, para repetir o jargão da moda – o questionamento da carga tributária que faz o brasileiro trabalhar em média 148 dias só para alimentar o fisco. Isto neste Século XXI, como resultado de um avanço progressivo e insaciável sobre seu bolso.
Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, na década de 70, o Fisco se bastava com 76 dias de trabalho dos assalariados; na de 80, subiu para 77 e, na de 90 já nos tomava 102 dias. Nesse quesito, só perdemos para os 185 dias da Suécia, onde, ao contrário daqui, esse tributo aparece em serviços públicos compensadores, e para os 149 dias da França, onde a corrupção é moda. Mas superamos a Espanha, que se apropria de 137 dias dos seus cidadãos; Estados Unidos, 102; Argentina, 97; Chile, 92 e México, 91.
O que mais se ouve é a crônica de tratativas sobre reforma tributária, que teria por objetivo reduzir a carga. No entanto, os articuladores da mudança não tocam no imposto sobre a renda. Ao contrário, advogam um modelo que diminua a tributação do consumo e avance ainda mais sobre a renda, isto é, sobre os salários, uma vez que, na prática, quem paga mesmo, quem é descontado rigorosamente na fonte é quem recebe por seu trabalho.
Assalariado paga mais do que banqueiros
O imposto de renda da pessoa física é um tributo permeado por variáveis e representa uma carga tão pesada para os assalariados que a soma de sua arrecadação é três vezes maior do que a de todo o sistema financeiro. Isso agora: no início da década, chegou a representar cinco vezes a contribuição dos bancos, que continuam esbanjando lucros exuberantes, fazendo inveja a seus congêneres em outros países.
Segundo o Unafisco – sindicato dos auditores fiscais - os bancos recolheram em Imposto de Renda cerca de R$ 7,5 bilhões em 2005. No tota l, somando o montante de tributos pagos pelas instituições financeiras, o valor atingiu R$ 18 bilhões. Esse número foi cerca de um terço do total pago pelos trabalhadores em IR (R$ 52 bilhões) no mesmo período.
Em 2002, os trabalhadores assalariados pagaram quase cinco vezes mais Imposto de Renda do que as instituições financeiras. Levantamento feito pelo IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário) mostrou que nesse ano os trabalhadores, que são tributados diretamente na fonte, pagaram R$ 26,94 bilhões em Imposto de Renda. No mesmo ano, o IR dos bancos --os campeões de lucratividade no Brasil-- totalizou R$ 5,70 bilhões. Em valores nominais, a diferença é de 372,63%.
A tributação dos contribuintes teve um salto ainda maior com o congelamento por 9 anos da Tabela do IR-Fonte e IRPF, (6 anos no Governo FHC e 3 anos no Governo Lula). Em 1996 quem ganhava 8,3 salários mínimos estava isento do IRPF. Hoje, quem ganhou em 2010 o equivalente a 3,10 salários mínimos já está na faixa de tributação. Aqueles que eram isentos em 1996 hoje já estão na maior faixa, pagando 27,5% do que recebem.
Já em 2009, um estudo assinado por Roberto Rodrigues de Moura, publicado em JUS NAVIGANDI mostrou que de 1996 a 2008, o Imposto de Renda subiu 451% contra 84% de inflação.
Por essa pesquisa, se a tabela do IR não tivesse sido congelada, a faixa da isenção em 2009 deveria beneficiar a quem ganhava por mês R$ 4.000,00. Pela tabela aplicada agora, na declaração atual, quem ganhou por mês em 2010 acima de R$ 3.915,00 já está na maior faixa, isto é, já tem de pagar 27,5% de sua remuneração em IR.
Já o levantamento da consultoria Ernst & Young Terco divulgado em fevereiro passado pela repórter Fabiana Ribeiro, de O GLOBO mostra que o contribuinte brasileiro paga o IR com uma defasagem - quando o reajuste da tabela do IR perde para a inflação - que chega a 44,35% no acumulado dos últimos 15 anos.
"Isso porque a inflação brasileira avançou 97,85% e o reajuste da tabela ficou em 53,50%. Caso a presidente Dilma Rousseff repita o padrão usado desde 2007 e corrija novamente em 4,5% a tabela do IR este ano (como aconteceu) a defasagem subirá para 45,60%, considerando uma estimativa de inflação de 5,75% para 2011".
Na mesma matéria, Fabiana Ribeiro cita outros números: "na era Lula, essa defasagem foi de 10,31%, contra 56,45% do governo Fernando Henrique Cardoso".
Descontos fortalecem bancos e planos de saúde
Nas variáveis que levam a algum d esconto do imposto de renda da pessoa física, fica clara a renúncia fiscal em favor do setor privado. Assim, você pode reduzir até 12% do seu imposto se aplicar no sistema de aposentaria operado pelos bancos – o PGBL. O dinheiro resultante desse desconto tem de ficar no banco: se você precisar dele, morre na taxação de 27,5% sobre o seu montante.
E mais: é possível deduzir R$ 2.592,29 de cada dependente por ano com despesas com escolas e todas os gastos com a saúde privada, incluindo médicos, dentistas, planos de saúde e outros profissionais da área. Isso é, de fato, um atestado de falência do sistema público e um incentivo a mais que leva quase 38 milhões de brasileiros a morrerem nos preços extorsivos dos planos de saúde privados.
Aposentadoria não é renda, mas paga
Dentro da discussão sobre imposto de renda da pessoa física, ouso dizer que a taxação das aposentadorias é outra redundância. Aposentadoria não é renda: é, sim, a utilização daquilo que foi descontado ao longo dos anos de trabalho produtivo, quando o cidadão já foi tributado. Em tese, o dinheiro do desconto vai para um fundo, em paralelo com a tributação do assalariado, e este poderá ter acesso a ele ao deixar de gerar renda. O que passa a receber a título de aposentadoria ou pensão já sofreu tributação anteriormente.
Mas a espoliação dos aposentados e pensionistas é uma das marcas da modernidade, em função de uma leitura manipulada da contabilidade previdenciária e da percepção negativa do aumento da expectativa de vida. Hoje, paradoxalmente, além de ser retributado, o aposentado ainda é descontado em 11% desse dinheiro resgatado, como se ainda estivesse produzindo e sendo remunerado por seu trabalho. O dinheiro desse novo desconto ele não verá jamais, o que é uma baita extorsão legalizada.
Todas essas evidências de clamorosas injustiças não contam na pauta da pleiteada reforma tributária. O que querem mesmo os senhores dos anéis, que são majoritários no Congresso, é "desoneração da folha", e até mesmo a mudança no modelo de desconto previdenciário, vinculando-o ao faturamento e não aos salários, favorecendo e ampliando as margens de lucro das empresas.
É dentro de um arcabouço tributário injusto que 24 milhões de brasileiros estão entregando suas declarações de renda pelo trabalho assalariado. Isso numa atmosfera de tensão, procurando fazer as contas no fio da navalha, com receio da temível malha fina.
Enquanto isso, as discussões sobre reforma tributária se cingem à queda de braço entre União, Estados e municípios para saber quem vai cobrar mais o quê dos cidadãos que andam na linha.

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