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segunda-feira, 12 de setembro de 2011

JUSTIÇA BRASILEIRA -

A ação mais antiga do Supremo EDITORIAL


O Estado de S.Paulo - 11/09/11

O processo mais antigo à espera de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) já completou 52 anos de tramitação, há cerca de dois meses. Quando foi protocolado, em junho de 1959, o endereço da Corte não era a Praça dos Três Poderes, em Brasília, mas a Avenida Rio Branco, no Rio de Janeiro. O atual presidente do Supremo e relator da ação, ministro Cezar Peluso, tinha 16 anos de idade. O ministro mais moço, José Antonio Dias Toffoli, nem sequer havia nascido. Até o nome do País era outro: República dos Estados Unidos do Brasil.

Com 12 volumes e 3 apensos, o processo tem 2.449 páginas - todas amareladas e muitas em processo de desintegração. Várias estão improvisadamente protegidas por sacos plásticos, para não virarem pó. Pelas estimativas dos servidores da Casa, essa é, seguramente, a ação em tramitação no Supremo Tribunal Federal com maior número de ácaros por página.

A ação foi proposta pelo então procurador-geral da República, Carlos Medeiros da Silva, contra o governo do Estado de Mato Grosso, que, naquele tempo, ainda não havia sido dividido. Para colonizar a região, o governo estadual havia doado a seis empresas lotes de terras públicas - hoje localizados em Mato Grosso do Sul -, com áreas superiores a dez mil hectares. O problema é que, pela Constituição de 1946, então em vigor, a doação não poderia ser feita sem prévia autorização do Senado. Como isso não ocorreu, o procurador-geral pediu a nulidade dos contratos. Em sua defesa, o governo mato-grossense alegou que não houve cessão das terras e que as seis empresas, em troca do benefício recebido, se comprometeram a promover assentamentos de famílias de agricultores e pecuaristas e construir estradas, escolas, hospitais, olarias, serrarias e campos de aviação.

Como mostra a excelente reportagem do jornal O Globo que inspirou este editorial, desde sua proposição, o processo já teve nove relatores. O primeiro foi o ministro Cândido Motta Filho, que se aposentou em 1967. O atual relator, ministro Cezar Peluso, assumiu o caso em junho de 2003 e, finalmente, concluiu seu voto e pretende incluí-lo numa das pautas de julgamento deste mês.

A arrastada tramitação do processo se deve aos pedidos de diligências feitos pelos relatores que antecederam Peluso, para que fossem colhidos depoimentos de todas as pessoas que tinham comprado terras na região depois da doação. "Como achar esse povo?", indaga Peluso.

Qualquer que seja a decisão que o Supremo vier a dar a este processo, ela não deverá ter maiores efeitos práticos - e esse é o aspecto mais surrealista do caso. Desde que as seis empresas beneficiadas pelo governo mato-grossense promoveram os primeiros assentamentos de pecuaristas e agricultores na região, há mais de cinco décadas, já foram registradas várias revendas de terrenos por ocupantes de boa-fé - e, mais importante ainda, foram erguidas cidades nas glebas doadas.

Por isso, o resultado do julgamento será inócuo, uma vez que não se pode erradicar do mapa municípios de pequeno e médio portes nascidos de assentamentos irregulares. Como não podem tomar decisões contrárias ao que a Constituição de 46 determinava, os 11 ministros do Supremo serão formalmente obrigados a considerar inconstitucional a doação dos terrenos, feita em meados do século passado. Mas eles sabem que, objetivamente, não há como obrigar a União a despejar os ocupantes daqueles terrenos ocupados indevidamente e indenizar os atuais moradores das áreas que se encontram sub judice.

Além dessa ação, o Supremo terá de julgar várias outras que também tramitam há décadas. Na lista dos processos mais antigos, que foram protocolados entre 1969 e 1981, quatro estavam sob responsabilidade da ministra Ellen Gracie. Como ela se aposentou sem apresentar seu parecer, essas ações serão enviadas a um novo relator. Dependendo do ritmo e da carga de trabalho do STF, esses processos podem bater o recorde de longevidade hoje detido pela ação proposta pelo procurador-geral da República há 52 anos. Esse é um retrato - que não se pode chamar de instantâneo - da Justiça brasileira.


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